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Palestra
Ryuta Imafuku: ‘mídia valoriza mais a versão que o fato’
São José do Rio Preto, 20 de abril de 2003
Carlos Chimba
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O antropólogo Ryuta Imafuku esteve em Rio Preto proferindo palestra |
Luciano Guimarães
00:13 - Com idéias polêmicas sobre o trabalho desenvolvido pelos meios de comunicação, o professor da Faculdade de Estudos Culturais da Universidade de Sapporo, no Japão, Ryuta Imafuku, 47 anos, se dedica ao estudo do impacto que as chamadas “transmissões em tempo real” têm no cotidiano das pessoas. A veiculação de fatos como a queda das torres gêmeas do World Trade Center, nos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001, ou os confrontos da Guerra do Golfo, em 1991, estão entre as pesquisas de Imafuku. Nas últimas semanas, o professor também acompanhou o conflito no Iraque. Segundo ele, com a guerra no Oriente Médio, a tevê volta a “bombardear” diariamente o telespectador com informações.
Cientista político formado pela Universidade de Tóquio, antropólogo graduado pela Universidade de Estudos Internacionais e especialista em estudos latino-americanos pela Universidade do Texas (EUA), Ryuta esteve em Rio Preto na última segunda-feira, proferindo a palestra “Media Attack - O mundo após 11 de setembro”, na União das Faculdades dos Grandes Lagos (Unilago). Casado, pai de dois filhos, Ryuta chegou a trabalhar no centro de estudos permanentes da Universidade de São Paulo (USP), onde deu aulas sobre a sociedade contemporânea japonesa e literatura daquele país a brasileiros descendentes. Em entrevista ao Diário, Ryuta traça um panorama da mídia após os ataques de 11 de setembro, com críticas aos veículos tradicionais e às novas tecnologias, como a internet.
Leia trechos da entrevista:
Diário da Região - Por que analisar a cobertura dada pelos veículos de comunicação aos atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos? Ryuta Imafuku - Porque os atentados chamaram a atenção do mundo de uma forma muito peculiar. Minha análise da mídia tem como pano de fundo a imagem e a influência que os meios de comunicação transmitem ao público. A mídia às vezes trata a informação de forma superficial, não explicando o que realmente acontece no mundo.
Diário - Onde o senhor estava no dia dos ataques terroristas? Ryuta - Em uma conferência. Quando cheguei ao hotel em que estava hospedado, liguei a televisão. Geralmente, não assisto a muita tevê, mas nesse dia eu estava cansado e resolvi abrir uma exceção. Quando vi as imagens da fumaça e do fogo, não consegui mais desgrudar da tevê. Só então percebi que se tratava do World Trade Center. Em seguida, outro avião se chocou contra a outra torre. Lembro-me que passei a noite assistindo. Em todos os canais, apenas o sinal da CNN era transmitido. Acho que fiquei tanto tempo em frente da tevê porque criei uma expectativa sobre um possível terceiro ataque. Eu estava envolto por um sentimento muito estranho, que não sei explicar.
Diário - A mídia tem mesmo o poder de influenciar as pessoas e o modo como vivem? Ryuta - Uso a expressão “violência satelítica” para nomear essa influência da mídia. Hoje, com as transmissões via-satélite, as imagens são transmitidas em tempo real. Perdemos o sentido de tempo global. A mídia construiu para cada pessoa um sentido da realidade e do tempo.
Diário - Como a perda desse sentido de tempo influi no dia-a-dia das pessoas? Ryuta - Tudo é uma ilusão criada pela mídia. Ela nos fez crer que vivemos a atualidade, mas esse tipo de sensação não é original, embora seja essencial para o ser humano. Cada comunidade, em qualquer parte do mundo, tem o seu tempo próprio.
Diário - A expressão “violência satelítica” que o senhor usa tem a ver com a quantidade de informações que recebemos diariamente. A globalização teria seu grau de culpa? Ryuta - Sim, e posso explicar com um exemplo. Mesmo que você esteja bem longe, digamos, do outro lado do mundo, e um fato aconteça, de uma forma ou de outra você ficará sabendo. E isso se torna fundamental para a mídia continuar a influenciar as pessoas. Não adianta. Você até pode saber de uma notícia depois, mas o impacto vai ser o mesmo.
Diário - Então, a mídia seria parte de um processo irreversível, sem escapatória? Ryuta - Sim, pois se não a tivermos ao menos em parte, ficaremos fora da sociedade. As pessoas têm vontade de viver o momento real, globalizado. Se critico essa função do tempo, sou obrigado a criticar a mídia, pois ela produz esse conceito de tempo ideal por meio de imagens. Creio que deveríamos ter um espaço destinado à nossa liberdade.
Diário - Como o senhor analisa as imagens e todo o sentido iconoclasta que se criou ao redor dos escombros dos WTC, após os atentados? Ryuta - As imagens têm um caráter muito forte. Quem não se lembra das cenas de Hiroshima e Nagasaki? (referência às bombas atômicas lançadas pelos EUA sobre as cidades japonesas, nos dias 6 e 9 de agosto de 1945, na 2ª Guerra Mundial, matando 180 mil pessoas) A imagem das ruínas do WTC são exemplos, assim como as da Guerra do Golfo, em 1991. O WTC significava o centro do poder americano. As imagens fortes criaram um sentimento no povo norte-americano, pois eles depararam com as ruínas dentro de seu próprio país.
Diário - O senhor acredita que a mídia dos Estados Unidos distorceu as informações sobre os ataques de 11 de setembro? O que teria motivado essa distorção, um sentimento patriótico? Ryuta - Em um primeiro momento, as informações da mídia norte-americana foram controladas pelo governo. É fato que houve distorções por parte da mídia. Pessoas teceram opiniões generalizadas sobre o caso. Em determinado momento, todo islâmico que morasse lá ou tentasse entrar no país, enfrentava grandes dificuldades, pois a imagem dessa religião ficou associada a de terroristas. O mesmo aconteceu com os japoneses após o ataque a Pearl Harbor (arquipélago que servia de base militar para os EUA, bombardeado pelos japoneses em dezembro de 1941, matando mais de 3 mil militares). Mesmo os japoneses que já viviam nos Estados Unidos sofreram grande perseguição.
Diário - A Guerra do Golfo, em 91, se destacou como a primeira transmitida ao vivo para todo o mundo, diretamente do front de batalha. Quais as principais diferenças entre a cobertura da mídia daquele conflito e da atual guerra no Iraque? Ryuta - Acredito que as imagens dessa nova guerra no Iraque, apesar de serem as “mesmas” da guerra de 1991, tiveram menos impacto no público, já que as pessoas tinham uma noção de que tudo se tratava de um jogo.
Diário - Nesta guerra, enquanto a coalizão informava que o conflito transcorria positivamente, a tevê iraquiana relatava erros dos aliados ao atingir civis. Em uma situação de informação e contra-informação, em quem o público deve acreditar? Ryuta - A TV Al-Jazira (tevê estatal iraquiana) teve um papel interessante tanto nessa guerra, no Iraque, quanto no conflito no Afeganistão. O canal transmite a ideologia islâmica, enquanto a mídia dos outros países se restringia à apresentação da visão dos norte-americanos sobre os fatos. É normal que haja um discurso dominante e um contra-dominante. A TV Al-Jazira mostrou sua presença com um discurso contrário ao da mídia de massa ocidental. Confesso que não sei em quem o público deve acreditar.
Diário - Como o senhor analisa a cobertura da internet à guerra no Iraque? Ryuta - A internet é o grande celeiro das informações falsas. Não sou pessimista, mas fica difícil ser otimista quando analisamos a internet. A web inventou novas alternativas para a mídia, mas começou a funcionar de maneira negativa ao introduzir na sociedade mundial um processo chamado descomunicação. E não podemos esquecer que a internet é uma invenção norte-americana.
Diário - A mídia é isenta e imparcial como ela mesma propaga? Ryuta - Parte da mídia não é isenta, pois está junto do poder, do Estado.
Diário - O que vale mais, a versão ou o fato? Ryuta - O fato é algo fabricado. O mais coerente é dizer que há mecanismos que constróem e controlam o fato. A mídia está com as versões, um bocado delas. Creio que as versões, no mundo em que vivemos, valem mais que os fatos.
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